Identificando o que ocorre no cérebro humano por meio de dispositivos como a eletroencefalografia, professor do ICMC diz que há um vasto campo de descobertas a ser explorado por meio de técnicas computacionais
A interface entre o cérebro humano e os computadores voltou às manchetes da mídia internacional no início de fevereiro, quando o bilionário Elon Musk anunciou a implantação de um chip de sua empresa Neuralink em um ser humano. Apesar de todo o alarde em torno da notícia, o empresário não esclareceu as intenções nem os riscos envolvidos na intervenção cirúrgica. O que poucos sabem é que, no Brasil e em todo o mundo, há diversos pesquisadores investigando técnicas muito mais simples e baratas para construir pontes entre o nosso cérebro e as máquinas.
“É possível descobrir uma série de informações sobre o que está acontecendo no cérebro de forma não invasiva”, garante o professor João Luís Garcia Rosa, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos. As técnicas não invasivas, como o próprio termo sugere, não demandam a realização de uma intervenção cirúrgica, reduzindo riscos de danos cerebrais e os custos dos equipamentos utilizados na pesquisa.
Nos últimos 12 anos, o professor têm se dedicado a investigar a interface cérebro-computador por meio de técnicas como a eletroencefalografia, que mede a atividade elétrica cerebral em diferentes locais da cabeça, geralmente usando eletrodos colocados sobre o couro cabeludo. Nesse caso, o objetivo é ler essa atividade elétrica que ocorre no cérebro, buscando, por meio de modelos computacionais, decodificá-la e interpretá-la, permitindo que se torne uma informação e gere alguma aplicação, como, por exemplo, o movimento de um membro do corpo. É como converter a intenção que está no cérebro em uma ação do mundo real, tal como o chip da Neuralink aparentemente pretende fazer.
“Estamos buscando maneiras de permitir a comunicação entre os seres humanos sem que haja a necessidade de realizar qualquer movimento muscular. Para isso, precisamos analisar os movimentos pré-motores, mudanças no cérebro que ocorrem antes que haja realmente um movimento”, explica o professor. A partir de uma adequada interpretação dessas mudanças cerebrais, é possível contruir dispositivos protéticos que permitam ao cérebro se comunicar diretamente com uma máquina.
Graduado em Engenharia Elétrica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde fez o mestrado em Engenharia de Computação e o doutorado em Lingüística Computacional, João Rosa diz que um dos principais desafio da área é construir modelos computacionais capazes de reproduzir a dinâmica dos nossos neurônios, levando em conta tanto as características de populações de neurônios quanto as propriedades eletrofisiológicas de cada célula neural. Recentemente, diversos avanços computacionais em processamento de sinais, inteligência artificial e aprendizagem de máquina têm contribuído para a construção de melhores modelos.
Epilepsia, depressão e outras doenças – Entre os diversos trabalhos publicados pelo professor destacam-se estudos para aprimorar e facilitar a identificação de doenças como a epilepsia e a depressão. Por exemplo, no artigo Feature extraction and selection from electroencephalogram signals for epileptic seizure diagnosis, do qual João Rosa é um dos autores, os pesquisadores explicam que a epilepsia é diagnosticada, normalmente, por meio da identificação de padrões nos eletroencefalogramas, que mostram certas variações nas atividades cerebrais dos pacientes. O problema é que esse diagnóstico depende da interpretação humana, sendo suscetível a diversos erros, já que os próprios especialistas costumam divergir na classificação das anomalias identificadas nos exames.
É aí que entram as ferramentas computacionais, que podem ser empregadas para auxiliar os médicos na identificação desses padrões anormais que caracterizam a epilepsia. Usando métodos de aprendizado de máquina, os pesquisadores apresentaram no artigo, publicado em 2023, uma nova ferramenta para classificação das principais características presentes nos eletroencefalogramas de quem é acometido pela epilepsia, alcançando uma acurácia entre 87,2 e 90,99% na identificação dos distúrbios.
“A epilepsia é um termo usado para designar um grupo de doenças que têm como característica principal a manifestação de uma excessiva atividade elétrica nas células nervosas. Essas doenças afetam cerca de 50 milhões de pessoas em todo o mundo, das quais 80% vivem nos países em desenvolvimento. Cerca de 75% das pessoas afetadas não têm acesso a um tratamento adequado, ainda que 70% desses casos possam ser controlados com o uso de medicamentos ou de estimulação elétrica”, escrevem os pesquisadores no trabalho.
É por meio do compartilhamento de resultados em artigos científicos como esses que a comunidade de pesquisadores ao redor do mundo consegue avançar nos estudos da área e, aos poucos, as técnicas empregadas na identificação das doenças podem ser aprimoradas. No caso do anúncio feito por Elon Musk, não houve a menção a nenhum estudo científico realizado pela empresa Neuralink.
Para explicar a novidade propagada por Musk, uma reportagem exibida pelo programa Fantástico entrevistou diversos especialistas da área, entre eles, o professor João Rosa: ”A gente tem esperança de que seja bom para a humanidade. É um caminho sem volta.”
Um caminho que, segundo o professor, é teoricamente infinito em possibilidades de aplicações na área da saúde, como no apoio à decisão médica em casos de epilepsia, depressão e autismo, por exemplo. Há, ainda, um vasto campo a explorar por meio do desenvolvimento de músicas e jogos personalizados, atendendo às preferências e demandas de cada cérebro humano.
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