sábado , 23 novembro 2024
Justiça

STF pode encerrar julgamento do marco temporal na semana em que contato forçado com os Xokleng completa 109 anos

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O Supremo Tribunal Federal (STF) retomará, nesta quarta-feira (20), a análise do Recurso Extraordinário (RE) 1017365, que discute o marco temporal para a demarcação de terras indígenas. A sessão está prevista para iniciar às 14 horas (horário de Brasília), com o voto do ministro Luiz Fux. Em seguida, será a vez do ministro Dias Toffoli, seguido pela ministra Cármen Lúcia, pelo ministro Gilmar Mendes e, por fim, pela presidenta da Suprema Corte, a ministra Rosa Weber.

No mérito, o recurso trata de uma reintegração de posse contra os Xokleng da Terra Indígena (TI) Ibirama La-Klãnõ, em Santa Catarina. A semana é marcada por uma coincidência simbólica: no dia 22 de setembro, sexta-feira, o contato forçado do povo Xokleng completa 109 anos.

Foi nesta data, em 1914, que os líderes Kovi Pathé e Vomblé Kuzu partiram de um acampamento Xokleng para se encontrarem com os funcionários enviados pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), fundado apenas quatro anos antes pelo Marechal Cândido Rondon.

Para os Xokleng, a expectativa era de que o contato servisse para dar um basta à violenta caçada de que eram alvo por parte dos bugreiros, assassinos contratados para caçar os indígenas como se fossem animais e “liberar” a região do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, para a fixação de colonos.

A realidade que se seguiu ao contato forçado pelas circunstâncias, entretanto, foi de continuidade das violências e violações, com sucessivas reduções do território – cuja disputa, hoje, encontra-se sob análise da Suprema Corte.

O caso Xokleng é simbólico e exemplar para ilustrar as violências e violações que a tese do chamado “marco temporal” pretende anistiar. Segundo esta tese, defendida por ruralistas, os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse em 5 de outubro de 1988.

Só que em muitos casos, como no do povo Xokleng, essa posse tornou-se impossível devido a um processo histórico e contínuo de violência e esbulho, muitas vezes com a anuência do Estado: basta lembrar que, até 1988, os povos indígenas eram tutelados e não tinham autonomia para reivindicar seus direitos.

“Se não estávamos numa determinada área do território em 1988, não significa que era terra de ninguém ou que não estávamos lá porque não queríamos. O marco temporal reforça uma violência histórica, que até hoje deixa marcas”, diz Brasílio Priprá, liderança Xokleng.

No caso da TI Ibirama La-Klãnõ, os 40 mil hectares reservados pelo SPI aos Xokleng em 1914 – já uma redução do território tradicionalmente ocupado pelo povo – foram invadidos e reduzidos nas décadas seguintes a apenas 14 mil hectares.

Os indígenas, contudo, nunca deixaram de lutar para recuperar seu território, cuja demarcação, com 37 mil hectares, é questionada na ação em disputa no STF. A aplicação da tese do marco temporal neste caso significaria, na prática, a anistia e a legitimação desse conjunto de esbulhos e violências praticadas contra o povo Xokleng.

Mobilização

Com objetivo de acompanhar o julgamento, cerca de 600 lideranças de vários povos e regiões do país mantêm a mobilização em Brasília. Alguns permanecem na capital federal desde as últimas duas semanas: muitos desembarcaram por volta do dia 10 de setembro para acompanhar a III Marcha das Mulheres Indígenas. Os indígenas ficarão acampados no Memorial dos Povos Indígenas entre os dias 20 e 21 de setembro.

O chamado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) reforça a importância do movimento indígena se mobilizar em todas as cidades, territórios e redes sociais.

“Estamos acompanhando o julgamento de perto e, desde junho, a campanha #MarcoTemporalNão tem se intensificado. Nos dias 20 e 21 [de setembro], estaremos no Memorial dos Povos Indígenas, mas é essencial que todos os parentes e parentas se mobilizem nos demais territórios, online e offline, e reivindiquem a derrubada do marco temporal”, diz Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.

No mesmo dia, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal incluiu na pauta de sua reunião o Projeto de Lei (PL) 2903/2023 – antigo PL 490/2007 –, que busca instituir o marco temporal de forma legislativa e desmontar os direitos territoriais indígenas garantidos pela Constituição Federal. O início da reunião está previsto para as 9h30.

Na manhã do dia 20 de setembro, as lideranças indígenas realizarão uma coletiva de imprensa em frente à Biblioteca Nacional, em Brasília (DF), a partir das 11h da manhã. Em seguida, os indígenas sairão em marcha pela Esplanada dos Ministérios até a Praça dos Três Poderes, onde acompanharão o julgamento.

Placar atual

No dia 31 de agosto, a Corte encerrou a mais recente sessão do julgamento com um placar favorável aos povos indígenas: quatro votos a dois contra a tese do marco temporal. A sessão retomaria na quarta-feira da semana seguinte, no dia 6 de setembro, mas foi prorrogada para o dia 20 de setembro.

Até o momento, concluíram seus votos os ministros Edson Fachin (relator), Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Roberto Barroso, que entendem que o direito dos povos indígenas à terra deve prevalecer, como estabelece a Constituição Federal, ainda que não estivessem no local em 5 de outubro de 1988; e os ministros Nunes Marques e André Mendonça, para quem essa data deveria ser fixada como marco temporal da ocupação.

Ao se posicionarem a favor desta tese, os ministros Kássio Nunes Marques e André Mendonça, que concluiu seu longo voto no dia 31 de agosto, defenderam, na prática, uma anistia aos crimes praticados antes de 1988 para expulsar os povos indígenas de suas terras.

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