quinta-feira , 21 novembro 2024
Ciência

No Cerrado, diversificação de lavouras tem efeito benéfico sobre a fauna e reduz presença de javali

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Nada substitui o Cerrado nativo, mas numa região agrícola consolidada como o nordeste do Estado de São Paulo trocar grandes áreas de monocultura por lavouras diversificadas pode ter um efeito benéfico para os mamíferos ainda remanescentes nessas áreas. Além disso, ajuda a controlar espécies invasoras que causam prejuízos aos produtores rurais, como os javalis.

Esta é uma das conclusões de um estudo publicado no Journal of Applied Ecology por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) apoiados pela FAPESP.

O trabalho analisou a presença de mamíferos nativos e exóticos em 55 paisagens de 200 hectares. A cobertura do solo foi verificada ainda em 3 mil hectares que circundavam cada uma delas. No total, uma área de 34 mil quilômetros quadrados foi incluída no estudo, da qual fazem parte cerca de 80 municípios paulistas.

Entre 2017 e 2018, o grupo percorreu cada uma das paisagens e buscou por rastros deixados pelos mamíferos (pegadas, fezes e outros sinais), além de instalar câmeras em áreas de vegetação nativa.

“As paisagens tinham composições mais ou menos heterogêneas, com porções de vegetação nativa, monocultura e lavouras diversas. Assim, nós conseguimos correlacionar o grau de heterogeneidade da paisagem com a presença ou ausência de mamíferos nativos e exóticos”, explica Marcella do Carmo Pônzio, primeira autora do artigo, que atualmente faz doutorado no Instituto de Biociências (IB) da USP.

O impacto da heterogeneidade da paisagem foi equivalente a 80% do efeito que as áreas de Cerrado da região têm sobre o número de espécies nativas naquele contexto. Além disso, a diversificação da cobertura do solo reduziu em 27% a quantidade de espécies invasoras, como o javali.

Área de monocultura com vegetação nativa ao fundo: hectares contínuos de plantação, como cana-de-açúcar e café, são os mais prejudiciais para a fauna e os serviços ecossistêmicos (foto: Adriano Chiarello/FFCLRP-USP)

“Ainda que espécies mais sensíveis, como a onça-pintada, tenham desaparecido, uma maior complexidade da paisagem pode proporcionar mais espécies nativas, como onças-pardas e tatus, por exemplo, e menos desses invasores. Nas monoculturas com pouca vegetação nativa, por outro lado, javalis prevalecem”, completa Pônzio, que obteve parte dos resultados durante período em que teve bolsa da FAPESP na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP.

O estudo integra o projeto “Ocorrência de mamíferos e invasão biológica em remanescentes de Cerrado de paisagens agrícolas”, apoiado pela FAPESP e coordenado por Adriano Garcia Chiarello, professor da FFCLRP-USP que orientou o mestrado de Pônzio.

“Na maior parte das propriedades da área estudada nem sequer se cumpre o Código Florestal”, conta Chiarello. A lei determina a conservação de 20% de vegetação nativa em propriedades no Cerrado, mais as áreas de preservação permanente (APPs), como margens de rio e topos de morro.

Segundo o pesquisador, ainda que a regra fosse cumprida, essa porcentagem não é suficiente para a manutenção da fauna e de serviços ecossistêmicos, como provisão de água, estoque de carbono e regulação do clima.

Embora esse não seja o foco do estudo, pesquisas de outros grupos já mostraram que são necessários pelo menos 35% a 40% de vegetação nativa para a manutenção da biodiversidade e de serviços associados.

Cerrado paulista

Como esperado, a cobertura de vegetação nativa foi o fator que mais influenciou a quantidade de espécies de mamíferos nativos, como a onça-parda (Puma concolor) e o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus).

Essas, porém, são espécies generalistas, mais adaptáveis a áreas degradadas. Mamíferos que historicamente habitaram o bioma, como a onça-pintada (Panthera onca), o tatu-canastra (Priodontes maximus) e a queixada (Tayassu pecari), foram extintos da região.

A vegetação nativa mostrou-se, ainda, a maior influência para diminuir a quantidade de espécies invasoras, como o cachorro doméstico e a lebre-europeia (Lepus europaeus), mas principalmente os javalis (Sus scrofa).

De acordo com os resultados do estudo, estes suínos, trazidos para o Brasil para criação e que se tornaram pragas agrícolas, podem ser mais detectados em áreas com pouca vegetação nativa dominadas por monoculturas agrícolas, como a cana-de-açúcar.

Nesse cenário de tamanha degradação e perda de espécies, o resultado animador foi que a diversificação de lavouras teve um efeito de amenizar a falta de vegetação nativa.

Ou seja, áreas agrícolas mais diversas, como pequenas propriedades focadas na agricultura familiar e produção de alimentos, ou sistemas agrossilvipastoris (plantações, silvicultura e pecuária numa mesma propriedade) podem ajudar a sustentar uma riqueza maior de espécies nativas e menor de exóticas.

“Este trabalho aponta que talvez seja o caso de nossas políticas públicas não se aterem apenas ao desmatamento, mas também ao problema da simplificação da paisagem. Para além do controle do desmatamento, importa muito o que se faz naquela área que antes era de Cerrado”, analisa Renata Pardini, professora do IB-USP e coordenadora do estudo, que orienta o doutorado de Pônzio.

Pardini cita o Programa Refloresta SP, da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado. Regulamentada em 2022, a política prevê a chamada Restauração de Paisagens e Ecossistemas, abordagem que busca promover ganhos econômicos associados aos ecológicos.

Para isso, promove os sistemas agroflorestais, florestas multifuncionais e sistemas silvipastoris biodiversos. Em todos, há uma composição entre espécies nativas e não nativas, trazendo renda para os produtores rurais e provendo serviços ecossistêmicos importantes, inclusive para as lavouras tradicionais.

O programa tem como parceiro o BIOTA Síntese, um Centro de Ciência para o Desenvolvimento da FAPESP sediado na USP, do qual Pônzio e Pardini fazem parte (leia mais em: agencia.fapesp.br/38674/).

Os pesquisadores ressaltam a importância da manutenção e criação de áreas legalmente protegidas de Cerrado, que são menos de 20% no Estado. Na região analisada no estudo, por exemplo, a maior unidade de conservação é a Estação Ecológica Jataí, com pouco mais de 9 mil hectares.

“Não estamos supondo que uma agricultura diversificada compensaria os danos ambientais do desmatamento e da monocultura. Nossos dados mostram que ela é importante, mas não substitui o papel da vegetação nativa”, encerra Pônzio.

O estudo contou ainda com apoio da FAPESP por meio de bolsa de doutorado para Nielson Pasqualotto, que fez estágio na Colorado State University, nos Estados Unidos. O trabalho teve também entre os coautores Marina Zanin, bolsista de pós-doutorado no IB-USP. (fonte:agencia.fapesp.br)

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