CPI da Covid-19 cumpriu seu papel. A afirmação é do presidente da CPI, Senador Aziz, que falou a Folha de São Paulo. Para ele o presidente Jair Bolsonaro cometeu crime de prevaricação. Confira abaixo reportagem completa
Está achando que o cara vai matar isso no peito?, diz Aziz sobre Aras engavetar relatório da CPI
O presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM), disse acreditar que o relatório final da comissão será robusto o suficiente para não ser engavetado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, próximo ao presidente Jair Bolsonaro.
“Está achando que o cara [Aras] vai matar isso no peito [engavetar] e vai dizer: ‘Não, espera aí, eu mato isso no peito e vou resolver’? Não é assim, não”, afirmou em entrevista à Folha.
Aziz disse também que o relatório vai recomendar o indiciamento de vários personagens do governo Jair Bolsonaro por crimes contra a vida, sanitário e por omissão.
O senador acrescentou que há “indícios fortíssimos” de que houve busca de vantagens na negociação de vacinas, mas ressaltou que até agora as suspeitas de corrupção não alcançam o chefe do Executivo.
Ele deixou claro, no entanto, que houve prevaricação de Bolsonaro. “E aí o presidente entra quando é alertado pelo [deputado] Luís Miranda, ele não toma providência”, disse.
A CPI está se encaminhando para o fim? Por mim terminava na semana que vem [esta semana]. Nós chegamos ao fim, não tem muito mais o que investigar. Acho que a CPI cumpriu o seu papel.
Se vocês analisarem desde aquele primeiro momento, sempre a primeira pergunta era se a CPI iria dar em pizza. Eu dizia: “Olha, sou filho de italiano com árabe, não vai dar nem em pizza nem em kibe ou esfiha. Nós vamos fazer justiça. E a justiça que queremos primeiro é a vacina no braço de cada brasileiro, duas doses”. A segunda é que, antes da justiça divina, que pague com a justiça dos homens aqueles que são responsáveis pelas mortes que ocorreram no Brasil, principalmente no estado do Amazonas.
Mas o relatório final estará nas mãos do procurador-geral Augusto Aras. Não acha que ele pode ser engavetado? Nosso relatório está indiciando e falando de muita gente, com o auxílio de uma equipe de juristas, profissionais da saúde, advogados. Nosso relatório é muito consistente. Augusto Aras não é dono da verdade, não pode sentar [no relatório]. Você está falando só em relação ao presidente. Tem outros fatores, nem tudo passa pelo Augusto Aras. E mesmo assim você pode levar ao Supremo notícia-crime, e o Supremo manda o Ministério Público abrir o procedimento, já aconteceu isso. Não dá para você achar que uma instituição como o Ministério Público Federal, que tem procuradores de vários pensamentos, ache normal chegar a 600 mil vidas [perdidas] e fazer de conta que não está acontecendo nada, jogar para debaixo da mesa. Não menosprezem o acompanhamento da sociedade brasileira. Tu está achando que o cara vai matar isso no peito [e arquivar] e vai dizer: “Não, pera aí, eu mato isso no peito e vou resolver”. Não é assim, não.
O caso da Prevent Senior deu mais fôlego para a comissão? É possível avançar na ligação com o governo federal? Acho que o caso da Prevent Senior está provado. Admitiram que há subnotificação, que o paciente entrava com Covid e quando ia a óbito eles colocavam outro tipo de doença.
O governo adotou essa medida. Para que criou o TrateCov, a capitã cloroquina?
Para eles, era uma propaganda positiva, aumentou o número de usuários do sistema Prevent Senior. Essa autonomia médica que todo mundo fala, o Bolsonaro fala, permitiu que os caras fizessem o que quisessem. Permitiu que uma associação lá do Nordeste, o Médicos pela Vida, publicasse páginas inteiras inteiras defendendo o tratamento precoce. Naquele momento, você não tinha conhecimento, hoje eu tenho certeza de que esses médicos fazem autocrítica de ter comunicado aquilo sem saber.
Vimos nos últimos dias muito tumulto e brigas na CPI. Acha que em alguns momentos a CPI perdeu o foco e virou um circo? Eu acho que nós estamos há mais de 50 dias, eu não sei direito, em uma investigação, três quatro vezes por semana, então é lógico que, quando vai se aprofundando a investigação, há um estresse natural. Então por isso que eu tento de todas as formas manter a cautela e o equilíbrio necessário para presidir. É normal. Nenhuma briga é boa. Na última [entre os senadores Jorginho Mello (PL-SC) e Renan Calheiros (MDB-AL)], eu nem me mexi da minha cadeira. Você pode ter tido uma semana em que você não consegue um dia extrair quase nada de quem está depondo, mas a média dela sempre foi muito alta em termos de informações e de questionamentos.
O sr. avalia que em alguns momentos a CPI cometeu abusos ou extrapolou nas provocações aos depoentes, em especial os que ficaram em silêncio? Não. É normal. Hoje mesmo [quinta, 23] ele [Danilo Trento, diretor da Precisa Medicamentos] começou dizendo que tinha o direito de ficar quieto, calado. Ele pode dizer sim e não, está certo? Você conhece o fulano? Sim ou não. Eu te conhecer não te incrimina, nem me incrimina. Eu sempre falei desde o primeiro momento: uma foto tirada não pode incriminar uma pessoa. Aquele reverendo mesmo tem uma foto do lado do Flávio [Bolsonaro], mas não quer dizer que ele estava envolvido com o reverendo para vender [vacinas]. E o [policial Luiz Paulo] Dominghetti, aquilo é uma loucura, se você for analisar aquilo, aquilo é um retrato administrativo do governo federal na área de saúde. De um governo que vai para um restaurante, um bar, sei lá, discutir a compra de 400 milhões de vacinas. Nem centro acadêmico estudantil tem isso.
Ainda sobre possíveis excessos, a médica Nise Yamaguchi chegou a processar o sr. Eu não me lembro de ter feito nada. O que eu disse foi: “Olha, não vão acreditar na vozinha calma dela, porque esse tipo se convence e não acreditem no que ela fala porque ela está mentindo”. Foi isso que eu disse. O advogado dela esteve no meu gabinete aqui. Ela pediu para ser convocada, queria falar na CPI sobre tratamento precoce. Faria tudo de novo. Eu me arrependeria se estivesse falando com uma pessoa inocente, eu pediria desculpas hoje. Mas não era uma pessoa inocente. Você acha que quem propagou tratamento precoce, cloroquina, ivermectina são pessoas inocentes que têm de ser respeitadas? Não me excedi. Isso foi usado contra o meu estado. Eu estou falando com uma pessoa que propagou a morte. Eu me arrependo, sim, foi de não ter prendido o Carlos Wizard.
Por quê? Porque esse tem de ir para a cadeia. Porque ele é um charlatão, está certo? Se utilizando de um nome que ele ganhou enganando os brasileiros, aí propagava: “Hahaha, você sabe lá quem morreu? É quem ficou em casa”.
Arrepende-se de não ter prendido mais alguém? Não, com o Fabio Wajngarten [ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social] fiz a coisa certa. Ele quem deu a maior contribuição para a CPI até hoje, mostrou que o Brasil não queria comprar vacina. E, quando quis comprar vacina, quis por meio de intermediário.
A prisão de Roberto Dias [ex-diretor de Logística da Saúde] foi considerada polêmica entre os senadores. Isso ameaçou a unidade do grupo? Não. Lógico que divergência nós temos até hoje, daqui a pouco vamos ter mais. Isso é normal. E a história mostrou que eu estava correto. Está aí quem é o Roberto Dias nesse jogo todo. Ele aparece em tudo o que você pode imaginar, envolvendo VTCLog, Precisa, Dominghetti. Não dá para dizer: “Olha, o coitadinho do Roberto Dias”. Ele mentiu e todo mundo no governo federal sabia desde outubro do ano passado que o Roberto Dias estava envolvido em tudo isso. E ele não foi posto para fora no ano passado porque ele fez um dossiê e entregou para o Ronaldo Dias, o primo dele que está na Espanha.
Quais serão os principais pontos relacionados ao governo Bolsonaro no relatório final? Crime contra a vida, que é a questão do tratamento precoce propagado. Isso levou a óbito muitas pessoas. Crime sanitário, omissão do governo, e aí não é só em relação ao governo federal, ao que aconteceu na cidade de Manaus, com a falta de oxigênio. Ao invés de se mandar oxigênio, mandou uma equipe para propagar o tratamento precoce. Indícios fortíssimos, e até agora não chega ao presidente Bolsonaro, no Ministério da Saúde de compra para tirar vantagem da vacina, principalmente da Covaxin. E aí o presidente entra quando é alertado pelo Luís Miranda, ele não toma providência. Até hoje não vi se a família Bolsonaro teve envolvimento em compra de vacina, remédio, não tem a ver com a CPI da Covid [o caso revelado pela Folha em que o lobista da Precisa Marconny Albernaz de Faria ajudou o filho mais novo do presidente, Jair Renan, a abrir sua empresa de eventos]. Vai trazer esse moleque para cá por causa disso? Também sou contra [convocar Ana Cristina Valle, ex-mulher de Bolsonaro]. Na minha opinião ela viria para fazer um circo, assim como quando a Michelle Bolsonaro foi citada pelo reverendo também fui contra, as pessoas vendem influências que muitas vezes não têm.
O sr. é a favor de um novo depoimento do ministro Marcelo Queiroga? Se ele estivesse aqui, sim, mas não sou a favor de a gente esperar 20, 30 dias para isso. Até porque ele está completamente desmoralizado. Queiroga abaixou a cabeça e levantou os dedos. Ele não conseguiu tirar a capitã cloroquina da equipe, manda fazer um estudo para tirar a máscara. A única diferença dele para o Pazuello é que ele é médico. Os dois são cumpridores de ordem. Um manda, outro obedece. Só que um fardado e outro de bata branca.
Quais foram os pontos positivos da CPI? Trouxe o debate para a população. As pessoas passaram a debater o tratamento precoce, a imunidade de rebanho e começaram a perceber que aquilo que o presidente fazia estava errado. Abriu uma caixa-preta que estava embutida nas redes sociais por meio de robôs, de fakes. O compartilhamento do ministro Alexandre de Moraes (do inquérito das fake news) será de uma grande ajuda, tanto na CPI da Covid, como também na CPI das Fake News. Não podemos ter uma eleição ano que vem com esses bandidos, com esse pessoal que está financiando, e passar mentira para a população.
E os negativos? Não é que seja negativo. A CPI tem limites. Nós ficamos muito limitados na questão dos depoimentos. Isso atrapalhou muito, eles têm dados que poderiam ajudar. Não foi culpa dos ministros [do STF, que deram a permissão para que pudessem não responder algumas perguntas dos senadores], até porque decisão judicial se cumpre. Teve muita coisa que não responderam e não pudemos avançar. Mas depois muitos vão pagar pelos erros que cometeram.
OMAR AZIZ, 63
Nascido em Garça (SP) e formado em engenharia, fez carreira política no estado do Amazonas. Foi deputado estadual, vice-prefeito de Manaus, vice-governador e governador amazonense por dois mandatos. Eleito para o Senado em 2014, é um dos vice-líderes do PSD na Casa, partido que ajudou a fundar. É o atual presidente da CPI da Covid.
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