quinta-feira , 21 novembro 2024
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Afeganistão: dois anos após volta de talibãs ao poder, miséria e cerco às mulheres reinam no país

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Uma situação “desastrosa”. É desta forma que especialistas descrevem o estado do Afeganistão hoje, dois anos após a retomada do poder pelos talibãs. A crise econômica, social e humanitária leva os afegãos a deixar o país em massa: 1,6 milhão de pessoas desde 2021, o que representa 4% da população, segundo a ONU. Diante do recuo dos direitos, ao menos uma mulher se suicida por dia no país. 

O modo de governo brutal e inadaptado provoca a decadência do Afeganistão: um regime constituído por radicais islâmicos sem conhecimentos tecnocráticos e uma liderança de um mulá quase invisível, Haibatullah Akhundzada. A economia afegã, já abalada por décadas de guerra, enfrenta uma crise após sanções e o corte de bilhões de dólares de ajuda internacional desde a retomada de poder pelo regime Talibã.

O fracasso é ilustrado pela quantidade de cidadãos em estado de miséria. Cerca de 34 milhões de pessoas estão atualmente abaixo da linha da pobreza no Afeganistão, um número que quase dobrou entre 2020 e 2022.

De acordo com o Programa Mundial de Alimentos (PMA), 15 milhões de um total de 41 milhões de afegãos devem se contentar com uma refeição por dia. Três milhões de pessoas estão em situação de urgência absoluta.

“As pessoas já não compram tanto os nossos produtos”, afirma o agricultor Rahatullah Azizi, que planta em pouco mais de um hectare de terra arrendada. “Antes, eu vendia sete quilos de tomates por 200 afeganes [cerca de R$ 11,53], mas agora vendo por apenas 80 afeganes [cerca de R$ 4,6 ]”, explica. “Agora só tenho o que comer, não consigo economizar.”

Apesar das dificuldades financeiras, o agricultor não poupa elogios ao regime dos talibãs. Segundo ele, desde que os radicais tomaram o poder, em 15 de agosto de 2021, a segurança melhorou no país.

Essa é a impressão de boa parte da população: mais de 75% dos cidadãos vivem no interior do país e têm opiniões e comportamentos extremamente conservadores. Para eles, o que vale é o fim da guerra e o recuo da delinquência.

No entanto, em entrevista ao jornal francês La Croix, o antropólogo Georges Lefeuvre, pesquisador associado ao Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas da França (Iris), ressalta a brutalidade extrema do regime para atingir esse objetivo. “Os talibãs são capazes de fazer reinar a ordem e a justiça, mas isso não quer dizer que eles tenham um senso de Estado”, diz.

Mulheres: principais reféns dos talibãs

Em dois anos de regime, as afegãs foram obrigadas a voltar a utilizar o véu integral, perderam o direito de ir à escola ou à universidade, de frequentar espaços públicos – como parques – de trabalhar no setor público ou em ONGs, e de gerir ou frequentar salões de beleza. Cada vez mais confinadas em casa pelas imposições do regime, a metade das cidadãs do país sofre com estresse ou ansiedade, enquanto o índice de suicídio aumenta entre elas.

Arezo Osmani, 30 anos, recorda que ficou “aterrorizada e triste” quando os talibãs retomaram o poder. “Não saí do meu quarto durante 10 dias, pensei que tudo estava acabado para mim, assim como para todos os afegãos”, conta.

Poucos meses antes, em fevereiro de 2021, ela havia inaugurado um negócio de produção de absorventes reutilizáveis. A empresária, que chegou a ter 80 funcionárias, decidiu fechar o negócio devido à incerteza provocada pelo retorno dos talibãs ao poder.

Porém, dois meses depois, ela reabriu a empresa. O setor privado é um dos poucos restantes em que “as mulheres podiam trabalhar”, explica. “Lentamente, nós nos acostumamos com as condições e, felizmente, como somos uma empresa e trabalhamos na área da saúde, conseguimos prosseguir com nosso trabalho. Eu me sinto bem agora”, afirma.

A redução das atividades das ONGs estrangeiras afetou consideravelmente a empresa de Osmani, porque suas principais clientes são de fora do país. Atualmente, ela emprega 35 pessoas. “No momento, não temos contratos, nem compradores. Se não conseguirmos vender os absorventes, vai ser difícil continuar o trabalho, mas estamos tentando permanecer de pé”, diz.

Deixar o país em busca de um novo futuro

Para Hamasah Bawar, de 20 anos, não há outra alternativa a não ser deixar o país. “Não sou apenas eu, todas as meninas e mulheres do Afeganistão querem sua liberdade de volta”, diz.

A jovem imaginava que, quando terminasse os estudos, trabalharia no setor médico do país. Mas seu sonho acabou quando os talibãs vetaram o acesso das mulheres às universidades, uma situação descrita por Hamasah como “devastadora”. “Estamos desoladas. É a pior coisa que poderíamos imaginar”, diz.

“Se uma menina tem educação, toda a sua família tem educação. Se uma família tem educação, toda a sociedade tem educação… Se não estudamos, uma geração inteira ficará analfabeta”, lamenta.

Muito além do analfabetismo, sem a mão-de-obra feminina, o país tende a permanecer em situação de colapso. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, “as perspectivas de recuperação econômica permanecem fracas e insuficientes no longo prazo, principalmente se a ajuda externa for suspensa devido às políticas restritivas dos talibãs”.

Segundo a ONU, a deterioração dos direitos das mulheres e os obstáculos para que trabalhem afetam diretamente a produtividade econômica do país. “Não haverá recuperação duradoura sem a participação ativa das mulheres afegãs na economia e na vida pública”, afirma uma ex-representante de uma organização internacional que atuava no Afeganistão.

Para o chefe do Pnud – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Achim Steiner, o prejuízo pode levar décadas a ser revertido. Segundo ele, até antes da retomada do poder pelos radicais islâmicos, o trabalho das afegãs representava mais de US$ 1 bilhão em renda familiar.  (RFI com agências)

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