sexta-feira , 22 novembro 2024
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Estudo investiga o papel da ‘Aliança para o Progresso’ no Brasil durante o governo João Goulart

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A ingerência do governo, agências e empresas norte-americanas na política brasileira, antes do golpe civil-militar de 1964 e durante o período ditatorial, é amplamente reconhecida pelos estudiosos, no Brasil e nos Estados Unidos. Mas faltava um levantamento quantitativo robusto que respaldasse essa asserção qualitativa. Tal levantamento foi feito em parte, em um recorte específico, pelo historiador Felipe Pereira Loureiro, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP).

A partir de uma pesquisa exaustiva realizada no Arquivo Nacional dos Estados Unidos e nas chamadas Bibliotecas Presidenciais, que reúnem os acervos dos presidentes norte-americanos, Loureiro investigou o papel da “Aliança para o Progresso” no Brasil durante o governo João Goulart, de 1961 a 1964.

O estudo, publicado inicialmente no livro A Aliança para o Progresso e o governo João Goulart (1961-1964): ajuda econômica norte-americana a estados brasileiros e a desestabilização da democracia no Brasil pós-guerra (São Paulo, Editora Unesp, 2020), foi recentemente atualizado, com novos dados, em artigo publicado no periódico Journal of Cold War Studies: “Making the Alliance for Progress Serve the Few: U.S. Economic Aid to Cold War Brazil (1961–1964)”.

“O estudo forneceu um conjunto abrangente de informações sobre os empréstimos em dólares norte-americanos e concessões em cruzeiros para os diferentes Estados brasileiros. E demonstrou que a ajuda econômica dos Estados Unidos foi guiada por objetivos políticos, no contexto da Guerra Fria, impulsionando governadores de oposição e contribuindo para desestabilizar o governo João Goulart e facilitar o golpe civil-militar que instaurou a ditadura em 1964”, diz Loureiro à Agência FAPESP.

Apesar de a Constituição brasileira estabelecer que tais empréstimos e concessões só podiam ser feitos no nível do governo federal, a “ajuda” norte-americana foi direcionada também a governos estaduais. Segundo o pesquisador, a Embaixada norte-americana estabeleceu uma classificação ideológica, alocando todos os governadores e os principais políticos brasileiros. E o dinheiro foi distribuído segundo a posição de cada um, fortalecendo os governadores pró-americanos com vista à futura eleição presidencial. “Foi uma interferência chocante”, enfatiza Loureiro.

O pesquisador apresenta a categorização ideológica feita pela Embaixada dos Estados Unidos em maio de 1962. Da esquerda para a direita, a lista enquadrava os governadores e políticos brasileiros em oito categorias. No “campo da esquerda”, ficavam as categorias (1), (2) e (3), assim nomeadas e definidas: (1) “Comunistas ou Criptocomunistas”, identificados com alto grau de certeza como filiados ao Partido Comunista Brasileiro ou como seguidores consistentes da ideologia marxista-leninista; (2) “Companheiros de Viagem ou Inocentes Úteis”, esquerdistas radicais ou esquerdistas ingênuos, que, na prática, seguiam a linha do Partido Comunista; (3) “Esquerdistas Ultranacionalistas”, esquerdistas que não seguiam a linha do Partido Comunista, mas eram consistentemente contrários aos interesses norte-americanos.

O espectro político-ideológico do centro à extrema direita era abarcado pelas categorias de (4) a (7): (4) “Reformistas Radicais Não Comunistas”, defensores de reformas socioeconômicas básicas, sem serem críticos dos Estados Unidos nem seguidores dos comunistas; (5) “Centristas”, liberais e reformistas moderados, que, apesar de adotarem uma retórica favorável às reformas de base, não estavam engajados na prática em executá-las; (6) “Conservadores”, aqueles que resistiam a mudanças, incluindo grande parte da elite econômica nacional (grandes industriais, latifundiários, chefes políticos tradicionais); (7) “Extremistas de Direita”, reacionários que pretendiam liderar ou não se oporiam a uma ditadura militar de direita no Brasil. Na categoria (8), nomeados como “Outros”, foram postos os políticos que não se encaixavam direito no esquema citado.

“Simpáticos aos Estados Unidos, mas possuindo capacidade de mobilização político-eleitoral, os grupos 4 e 5 foram considerados os mais indicados para receber recursos norte-americanos da Aliança para o Progresso”, informa Loureiro.

Com base nesse critério, quatro governos estaduais brasileiros receberam a quase totalidade dos empréstimos em dólares do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e da Agência Norte-Americana de Desenvolvimento (USAID) no período 1961-1964. Em valores atualizados, foram estes os aportes: Guanabara (governada por Carlos Lacerda, da União Democrática Nacional, UDN, enquadrado na categoria 4), US$ 1,67 bilhão; Minas Gerais (governada por Magalhães Pinto, UDN, categoria 5), US$ 853,1 milhões; São Paulo (governado por Adhemar de Barros, Partido Social Progressista, PSP, categoria 6), US$ 563,6 milhões; Pernambuco (governado por Cid Sampaio, UDN, categoria 5), US$ 431,2 milhões. Somados, esses quatro Estados receberam US$ 3,5 bilhões, de um total de US$ 3,7 bilhões destinados ao conjunto dos Estados brasileiros.

O Estado de Pernambuco recebeu empréstimos em dólares apenas durante o governo de Cid Sampaio, até o início de 1963. A partir do momento em que Miguel Arraes assumiu o governo estadual, a fonte de recursos norte-americana secou completamente. Nenhum governador classificado como de esquerda (categorias 1, 2 e 3) recebeu qualquer empréstimo em dólar dos Estados Unidos. Exemplos de governadores assim categorizados: Leonel Brizola (Rio Grande do Sul, Partido Trabalhista Brasileiro, PTB, categoria 2); Miguel Arraes (Pernambuco, Partido Social Trabalhista, PST, categoria 2); Badger Silveira (Rio de Janeiro, PTB, categoria 2), Mauro Borges (Goiás, Partido Social-Democrata, PSD, categoria 3).

Vale destacar que, antes do golpe civil-militar de 1964, o governo federal não recebeu nenhum empréstimo do BID, enquanto os Estados receberam US$ 88,1 milhões (68%); e as agências nordestinas, US$ 41,8 milhões (32%) [em valores da época]. Depois do golpe, o fluxo de dinheiro mudou de direção, passando a abastecer principalmente o governo federal, que recebeu US$ 342,9 milhões (73%), de abril de 1964 a dezembro de 1969.

Além dos aportes em dólares, os Estados receberam também empréstimos e doações em cruzeiros. De janeiro de 1962 a junho de 1963, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) doou 7,9 bilhões de cruzeiros [em valores da época] a Estados brasileiros. Desse montante, Rio Grande do Norte (Aluísio Alves, UDN, categoria 5) recebeu 1,98 bilhão de cruzeiros (24,9%); Guanabara (Carlos Lacerda, UDN), 1,94 bilhão de cruzeiros (24,5%), e Pernambuco (Cid Sampaio, UDN), 1,1 bilhão de cruzeiros (14,0%).

A Guanabara foi a principal beneficiária do fluxo de recursos, que Lacerda pôde investir em grandes obras de urbanização, como a Estação de Tratamento de Água de Guandu, que resolveu um problema crônico de abastecimento de água, e o Túnel Rebouças, que integrou as zonas sul e norte cariocas, modificando de certa forma a fisionomia da cidade. “É impossível contabilizar os dividendos políticos desses feitos administrativos, mas eles certamente contribuíram bastante para o prestígio do governador”, comenta Loureiro.

O pesquisador acrescenta que o combate ao subdesenvolvimento e o fortalecimento da democracia representativa eram peças importantes da Aliança para o Progresso. Mas que, no contexto da Guerra Fria, o programa foi rapidamente direcionado para constranger governos de feições nacionalistas e alavancar políticos fortemente alinhados com os Estados Unidos. Essa inflexão, adotada ainda na administração de John Kennedy (1961-1963), foi continuada durante o período de Lyndon Johnson. fonte:agencia.fapesp.br

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