A psicologia alerta sobre a proliferação da cultura do ódio e da rivalidade política e garante que sair do seu nicho social é uma ótima opção para expandir ideias e agregar valores ao seu posicionamento
Desde 2018 os profissionais de psicologia têm percebido um aumento significativo no número de relatos de pessoas que sofrem com estresse, medo e ansiedade durante o período eleitoral. Com a redemocratização e polarização nítida apresentada por pesquisas eleitorais nas eleições presidenciais de 2022, o cenário é ainda mais preocupante, segundo especialistas.
De acordo com a psicóloga, Ana Flávia Trindade, do Sistema Hapvida, a polarização de opiniões afeta os relacionamentos e tem impacto real na saúde mental das pessoas. “As eleições representam um perigo especial à saúde física e mental da sociedade”, alerta a especialista.
O período de eleições é sempre carregado de um certo nível de estresse, sentimentos como esperança, liberdade de escolha, que se misturam com a desilusão, o medo, a raiva e a preocupação. Uma miscelânea de emoções que ganha intensidade no contexto em que vivemos, com opiniões tão divergentes e ânimos tão exacerbados.
A psicóloga ressalta que o racha ideológico vivenciado nos últimos pleitos eleitorais afetou famílias, invadiu os ambientes de trabalho e acabou com amizades antigas. Segundo ela, o assunto é tão sério que recebeu um nome específico: “síndrome do estresse político”. “Apesar de ainda não fazer parte dos manuais de diagnósticos clínicos, o termo faz referência à desconfiança e ao cansaço em relação a uma realidade social, sobretudo situações que geram muitas emoções negativas. O efeito já é sentido nos consultórios, os profissionais de saúde mental relatam um aumento das queixas relacionadas ao processo eleitoral”, afirma Ana Flávia.
Para a especialista, o consumo excessivo de informações (especialmente de notícias ruins) e a forma emocional como lidamos com os fatos que deveriam ser encarados racionalmente e usar as informações como facilitador para interpretação dos discursos, são confundidas diante de atitudes extremistas e exacerbado número de fake news que colaboram para a tensão do ambiente social.
Questionada sobre as consequências do sentimento de violência promovido pelo processo eleitoral e sobre possíveis tragédias nesta reta final de campanha, Ana Flávia, destaca que o impacto do estresse político sobre a saúde mental merece ser cada vez mais aprofundado. “Ainda não se sabe se o estresse político causa um impacto de estresse crônico. Mas podemos observar, que tornou-se comum, as pessoas quererem conhecer opiniões políticas de seus adversários e separando-os assim por quem terá uma boa relação, e essa sensação de conhecedor da verdade pode sim, provocar desastres políticos e tragédias interpessoais nesta reta final”, sustenta a psicóloga ao advertir como forma de prevenção, o acesso a comunicação não violenta, uma escuta sem julgamentos ou más interpretações, com fala consciente clara e específicas a partir dos nossos sentimentos e respeito pelo outro.
Ana Flávia diz ainda que: “Percebemos uma sociedade individualista onde as pessoas baseiam suas escolhas em afetos pessoais”. Para ela, a melhor forma de minimizar a rivalidade política é respeitar o posicionamento do outro para que o seu seja respeitado; distanciar-se de fake news, cujo objetivo é provocar a desordem psicológica; evitar entrar em discussões agressivas sem reflexões pertinentes; e, apesar do momento político exaltado, pensar no coletivo e em aspectos relacionados ao melhor do país”, sugere a psicóloga.
Campo de batalha virtual
A polarização de assuntos políticos e as votações previstas para o próximo dia 2 de outubro, faz com que eleitores e candidatos usem suas redes sociais para se manifestar politicamente, gerando assim um malefício mais conhecido como “campo de batalha virtual”, favorecendo assim a formação de “bolhas” e a falta de diálogo e rivalidade entre as pessoas que pensam diferente, sobretudo os mais jovens.
De acordo com a psicóloga, as mídias digitais se transformaram numa terra sem lei onde a promoção de um cenário de intolerância e rivalidade se torna comum a todos. Segundo ela, o uso inconsciente e intolerante das redes sociais vem prejudicando os debates públicos e afetando as relações humanas e prejudicando a livre expressão entre as pessoas. “Sabemos que o diálogo é uma das ferramentas mais potentes contra o processo de esgotamento mental, cujo qual as pessoas, se veem em modo de maior isolação. Tal situação se agrava ainda mais à medida que tal assunto afeta o diálogo entre esferas familiares, cotidianas e de trabalho. Este é o princípio das complicações mentais percebidas no consultório, que, apesar de tímido, traz consigo grande possibilidade de doenças físicas como AVC e infarto”, adverte a especialista.
Estudos mostram o impacto desse ambiente político radicalizado.
O relatório “Estresse na América”, publicado anualmente desde 2007 pela APA (Associação Americana de Psicologia, em português), mostrou que o acirramento observado pelas pesquisas eleitorais nas duas edições que tiveram a participação de Donald Trump levou os eleitores a um nível de estresse elevado. Em 2016, 59% dos republicanos e 55% dos democratas responderam que o período eleitoral era uma fonte de esgotamento. Já em 2020, esse número foi ainda maior: 67% de republicanos e 76% entre os democratas.
Outro estudo, publicado em 2019 pela Universidade de Nebraska-Lincoln (EUA) indica que a situação já assumiu contornos de problema de saúde pública. Cerca de 40% dos 800 entrevistados afirmaram que a atual situação política os estressa, e 20% relataram sofrer de insônia. Além disso, um em cada cinco dos participantes do estudo disse ter perdido vínculos com amigos e familiares por causa de discussões políticas. Mais de 11% afirmou que teve a saúde física afetada pela polarização política e o dado mais alarmante foi que 4% dos indivíduos responderam já ter tido pensamentos suicidas por causa da situação política.
Os índices deixam claro o quanto esta polarização vivida nos últimos anos, vem afetando não apenas a saúde dos indivíduos, mas também seus relacionamentos pessoais, gerando um profundo sentimento de perda e solidão.
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