Um ramo de medicamentos especiais, usado no diagnóstico e no tratamento de doenças como a arterial coronariana e alguns tipos de câncer, enfrenta hoje no Brasil um impasse em sua produção, que pode afetar pessoas que precisam desse tratamento. Esses medicamentos são os radiofármacos, produzidos a partir de fontes radioativas não seladas, e que são introduzidos no corpo do paciente por ingestão, inalação ou injeção. Desde setembro do ano passado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o Ministério da Saúde a importar esses medicamentos sem exigência de registro.
No último dia 26 de outubro, essa autorização em caráter temporário e excepcional foi prorrogada até 31 de março de 2023, prazo que foi sinalizado pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) para a regularização da produção dos medicamentos. O Ipen é ligado à Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), que tem o monopólio da produção e fornecimento dos medicamentos. O órgão alega que vem enfrentando problemas financeiros e logísticos desde setembro de 2021, quando teve que paralisar parcialmente a produção de radiofármacos.
A situação reflete um dos gargalos que ainda impedem o Brasil de ter uma autonomia plena na produção dos radiofármacos amplamente usados na medicina nuclear: a dependência de insumos importados, como o molibdênio-99 (Mo-99). “Neste caso, a CNEN é dependente da capacidade de fornecimento do mercado mundial, dos preços praticados nesse mercado, bem como da variação cambial. A solução definitiva para esta dependência externa só virá quando for concluída a implantação do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB)”, explica a Juliana Maria Dantas Mendonça Borges, professora-doutora do curso de Farmácia e coordenadora da área de Saúde da Universidade Tiradentes (Unit Sergipe).
O RMB é um empreendimento de pesquisa e produção de insumos radioativos e nucleares do Ipen. Ele está sendo construído na cidade de Iperó (SP) pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, que ainda não confirma um prazo para sua conclusão. A expectativa é de que ele garanta a autossuficiência do Brasil neste ramo de medicamentos. “Por ano, mais de um milhão e meio de procedimentos com radiofármacos são realizados no país. Para os próximos anos, o Brasil poderá registrar grandes avanços na produção de radiofármacos, garantindo independência nacional nesta área”, acredita Juliana.
O que são radiofármacos?
A professora Juliana explica que os radiofármacos são medicamentos utilizados por uma área da medicina conhecida como medicina nuclear, tanto para diagnósticos como para tratamentos. “São substâncias químicas que possuem algum radioisótopo, que é reconhecido pelo organismo como semelhante a alguma substância processada por algum órgão ou tecido”, informa.
Estes radiofármacos são usados em sua maioria para exames e diagnósticos, como o da cintilografia usada em exames de rins e tireóide, que usam o iodo-123 e o tecnécio -99m. Outro exemplo é o da tomografia por emissão de pósitrons (PET), que utiliza o flúor-18. Já nos tratamentos das doenças que afetam órgãos mais específicos, o mais usado é o iodo-131, empregado no tratamento contra tumores de tireóide e que emite radiação gama e beta, na forma de iodeto de sódio.
Juliana explica também que, conforme a legislação brasileira, há duas categorias de radiofármacos: os que têm meia-vida igual ou inferior a duas horas, que devem ser produzidos próximos ao local de utilização, e os com meia-vida superior a duas horas, fornecidos exclusivamente pela CNEN.
Deixe um comentário