Um grupo armado invadiu, nesta tarde (16), o tekoha Avae’te, em Dourados (MS), do povo Guarani e Kaiowá. “Eles vieram pelo mato e atiraram umas quatro vezes, e [um dos disparos] quase acertou nosso parente”, relata Yvyraija Miri, liderança da comunidade. Segundo relatos dos indígenas, o grupo de pistoleiros monitora a comunidade por meio de drones a fim de localizar e alvejar os moradores. “Se a gente sair para filmar, eles dão tiro porque o drone fica em cima, até agora está aqui em cima” conta a liderança.
Na madrugada de terça-feira (15), um outro ataque foi empreendido por pistoleiros que invadiram e incendiaram dez das trinta casas do tekoha Avae’te. Os indígenas tiveram que se esconder no mato para se proteger dos tiros disparados pelo grupo armado que adentrou de forma violenta o território, tendo quase alvejado uma anciã e uma criança.
“Eles vieram em duas caminhonetes com oito pessoas a pé para queimar as nossas casas. Eles têm armas pesadas, dão tiro para matar. Nós estamos correndo perigo, lutando pelos nossos direitos, pela nossa terra”, narra Yvyraija Miri.
Ninguém ficou ferido, mas a promessa de um novo ataque, anunciada no momento da investida, tem causado medo e pânico dentre os indígenas. “Eles, em gritos de ameaça, prometeram voltar hoje à noite, gritando que ‘à noite é o Caveirão que manda’”, narrou um morador do tekoha, em mensagem de Whatsapp, a uma pessoa do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
O caveirão – um trator blindado e modificado com chapas de metal – já é velho conhecido dos Guarani e Kaiowá de retomadas localizadas em áreas próximas aos atuais limites da reserva indígena de Dourados, cujo território é reivindicado pelos indígenas como parte de sua terra de ocupação tradicional.
O veículo é utilizado para atacar as comunidades Guarani e Kaiowá e derrubar os barracos das retomadas. Segundo relatos dos indígenas, o trator serve ainda como plataforma de tiro contra os Guarani e Kaiowá, sendo por este motivo, apelidado de “caveirão”.
Além das casas incendiadas, os indígenas denunciaram o despejo de lixo no território da comunidade. “Eles jogam lixo, entulho dentro do tekoha, em frente às nossas casas”, relata, ainda, a liderança. Segundo Yvyraija Miri, esse foi o mais recente ataque ocorrido esse ano, mas os atentados contra a comunidade são frequentes, tendo o último ocorrido três dias atrás.
As investidas contra a comunidade de Avae’te e as outras retomadas do entorno da reserva têm se intensificado desde 2018, quando iniciou-se o processo de retomada das áreas. Em 2021, ao menos três casas de indígenas foram queimadas por seguranças privados de fazendeiros no tekoha Avae’té. “Agora [2023] sobraram 20 casas do total de 30 da nossa comunidade”, lamenta a liderança.
Reserva de Dourados
O tekoha Avae’te é um dos acampamentos Guarani e Kaiowá oriundos de um processo de retomada de terras que fazem divisa com a reserva de Dourados. “A reserva é insuficiente, não tem espaço, não suporta mais o número populacional”, explica Matias Benno, coordenador do Cimi Regional Mato Grosso do Sul. Segundo o Censo de 2022, a reserva de Dourados possui um contingente populacional de 13.473 indígenas, que vivem confinados em uma área de apenas 2,4 mil hectares.
Nesse sentido, as retomadas passam a emergir na região como uma forma de reivindicação de terras tradicionalmente ocupadas, invadidas por fazendeiros e arrendatários. Desse confinamento territorial da reserva de Dourados, surgiram 13 acampamentos: Avae’te 1 e 2, Ñu vera 1 e 2, Ñu vera Guasu, Aratikuty, Bolqueirão, Yvu Vera, Jaychapiry, Yvy rory poty, Ñu porã, Apyka`i e Pacurity.
O último avanço da retomada Avae’te ocorreu no início desse ano. “Não houve reação dos fazendeiros após a nova retomada, que já estava estabelecida. Isso faz desse ataque uma ação quase gratuita, de extrema violência, onde o pessoal partiu para cima dos indígenas”, considera Benno, que esteve na noite de ontem (15) no tekoha.
“Inclusive as últimas barracas a serem queimadas estavam em áreas cuja posse está há muito tempo consolidada pelos indígenas. Ou seja, houve um avanço dos fazendeiros sobre uma área em que os indígenas estavam tranquilos, que já estava muito pacificada”, explica Benno.
Noite de medo e tensão
Os indígenas passaram a noite de ontem (15) em estado de tensão e alerta. “Eles estavam com uma fogueira acesa, com jovens e crianças ali perto dessa fogueira”, relata Matias Benno. Também foi avistada uma ronda do grupo armado apontando luzes advindas da fazenda contra a comunidade.
“Havia uma movimentação na parte de cima [do território], os indígenas tinham avistado unidades policiais, aí depois viram carros passando na divisa da fazenda com a retomada. Em um determinado momento, se acendeu uma fogueira dentro da fazenda, então ficou a fogueira dos indígenas e a fogueira dos fazendeiros”, informou o missionário.
A comunidade de Yvy Rory Poty, que também compõe esse conjunto de retomadas que descende da reserva de Dourados, sofreu, de igual modo, um ataque armado na última semana. No momento dos disparos, crianças se deslocavam para a escola.
A violência contra indígenas dentro e fora da reserva de Dourados resulta de um longo processo de paralisia nas demarcações de terras indígenas da região. As áreas reivindicadas na região de Dourados, no entorno da reserva, foram incluídas por um Termo de Ajustamento de Condutas (TAC) assinado em 2007 entre a Funai e o Ministério Público Federal (MPF) na Terra Indígena (TI) Dourados Pegua. Desde então, contudo, o processo demarcatório da área ainda não avançou, acirrando os conflitos.
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