sexta-feira , 18 abril 2025
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Violência nas escolas reflete a violência social, diz pesquisadora do SoU_Ciência

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A violência escolar não é um fenômeno novo, refletindo em boa parte os discursos e ações agressivas que se tornaram comuns em toda a sociedade nos últimos anos, mas o poder público e as instituições podem e devem tomar medidas para lidar com essa questão, principalmente aprimorando a escuta da comunidade escolar. A afirmação é da pesquisadora Maria Angélica Minhoto, coordenadora do Centro de Estudos SoU_Ciência, grupo de pesquisa multidisciplinar vinculado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que promoveu o debate “Ameaças de Violência na Educação”, transmitido ao vivo na internet. 

“Nós ouvimos pouco. Colocamos um monte de gente para falar sobre a violência escolar e não ouvimos quem está lá dentro. Temos que trabalhar com as autoridades municipais, e principalmente os governos [estaduais e federal], proporcionando recursos técnicos e financeiros para as escolas e os municípios poderem responder de forma mais efetiva a essas situações que fomentam a violência”, disse Minhoto, que também é professora associada do Departamento de Educação da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH), no campus de Guarulhos da Unifesp. “É preciso ouvir e respeitar a comunidade escolar sempre”, ressaltou.

O debate, ocorrido nesta quarta-feira (19/04/2023), também contou com a participação do jornalista e doutor em Ciência Política Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), e foi mediado pela professora Soraya Smaili, coordenadora geral do SoU_Ciência, e pela pesquisadora Gabriela de Brelàz, professora da Unifesp.

“Vivemos em tempos avessos às relações democráticas e inclusivas”, afirmou Minhoto. “Ouvir e se colocar à disposição dos adolescentes para auxiliar e resolver conflitos vai promover maior respeito e colaboração deles nas aulas. A mediação dos professores é extremamente importante para os estudantes saberem se expressar, respeitar a opinião contrária e conviver mutuamente sem violência”. Para ela, também é essencial que os municípios cuidem dos entornos dos estabelecimentos de ensino e reforcem as estratégias que permitam às famílias maior acesso e permanência dos filhos na escola, como bolsa família, auxílio alimentar e auxílio transporte. Além disso, deve-se planejar e expandir equipamentos públicos, como teatros, parques, clubes, cinemas, centros culturais, museus, oferecendo oportunidades de lazer e aprendizado.

As escolas devem desenvolver protocolos de atuação e de responsabilidade que podem ser acionadas em caso de violência dentro das instituições, afirmou a pesquisadora, e precisam proibir explicitamente todas as formas de discriminação e promover estratégias que conduzam à valorização da diversidade. Além disso, devem apoiar os estudantes que estejam com problemas de comportamento violento – em vez de punir com exclusões –, para promover reflexões a fim de modificar essa atitude. Os gestores também precisam ficar atentos a reclamações relacionadas a agressões por parte dos professores e das equipes de secretaria, evitando a reprodução da violência pelos próprios profissionais. Nesse sentido, recomenda uma atenção especial à formação inicial dos professores, incluindo a educação em direitos humanos, por exemplo.

Qual discurso

Falando de sua experiência nas pesquisas sobre os homicídios e homicidas, Bruno Paes Manso contou sobre a mudança do discurso dentro da criminalidade paulista – que no final dos anos 1990 girava em torno de uma lógica de vingança e, vinte anos depois, na esteira da formação do Primeiro Comando da Capital (PCC), voltava-se para o empreendedorismo “antissistema”, no qual o crime devia se fortalecer e parar de se matar, para ganhar mais dinheiro e diminuir os seus riscos –, que coincidiu com uma queda nos homicídios.

Ele disse que no Brasil os discursos que promovem ataques nas escolas se multiplicaram com o fortalecimento das redes sociais, já por volta de 2012 e 2013. “Antes das redes, esse problema da sensação de desconforto e de não pertencimento, relacionado muito à masculinidade de um determinado período da vida, eram de pessoas que tinham dificuldade de relacionamento, mas viviam isolados em seus mundos”, afirmou o pesquisador, lembrando que muitos passaram a se identificar como celibatários involuntários. “Com as redes sociais, eles passaram a ter um novo tipo de sociabilidade e a compartilhar suas impressões, medos e frustrações com iguais, que muitas vezes aplaudiam e identificavam formas de extravasar esse ódio e mal-estar. As escolas passaram a ser o local onde ele poderia dar uma lição e causar à sociedade o mesmo mal-estar que eles sentem”.

Uma questão que se coloca, ressaltou Paes Manso, é qual o papel das redes na promoção dos discursos de ódio e de diversas bolhas de iguais, que passaram a conviver de forma conflituosa. “Esses casos nas escolas deixam muito evidente o problema do limite entre liberdade de expressão, apologia ao crime e o discurso de ódio. Ficou escancarado o problema de as redes serem deixadas como elas são hoje”.

Soraya Smaili afirmou que a regulamentação das redes faz parte de um conjunto de ações que precisam ser tomadas pelos governos e pelas instituições. “O algoritmo não faz uma coisa sozinho, não cria algo, ele reflete aquilo que está na sociedade”. A coordenadora também salientou que não se trata de uma abordagem individual, voltada para um estudante, mas de criar um ambiente de segurança e acolhimento. “De uma certa forma, a instituição é uma espécie de mãe, de pai da gente. Quando estamos na acolhida de uma instituição, nos sentimos pertencentes e é mais difícil uma abordagem violenta”.

Para Gabriela de Brelàz, é preciso discutir muito as políticas que estão sendo apresentadas para resolver o problema desses episódios de violência. “Não podemos transformar as escolas em um presídio. Elas são lugares de humanização e temos de trabalhar com a sensação de pertencimento das crianças nas escolas e discutir a regulação das plataformas digitais”.

A íntegra do debate “Ameaças de Violência na Educação”, promovido pelo SoU_Ciência, pode ser assistida no site https://www.youtube.com/watch?v=V6bLxU9pASI

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