Pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, a Rússia instaurou a lei marcial — a medida limita as liberdades individuais, impõe restrições de movimentos e confere superpoderes às autoridades. O decreto contempla Donetsk e Luhansk (leste) e Zaporizhzhia e Kherson (sudeste), regiões anexadas ilegalmente por Moscou no fim de setembro, depois de referendos organizados pelas forças de ocupação. “Assinei um decreto para introduzir a lei marcial nestas quatro entidades da Federação da Rússia”, declarou o presidente russo, Vladimir Putin, durante reunião por videoconferência com o seu Conselho de Segurança. “Além disso, na situação atual, considero necessário dar poderes adicionais aos líderes de todas as regiões russas.”
Pelos termos do decreto, as agências do setor de segurança das quatro regiões têm três dias para apresentarem propostas específicas sobre a forma com que a lei marcial vigorará. Putin também ordenou uma “mobilização econômica” em seis províncias russas que fazem fronteira com a Ucrânia, além de Sevastopol e da península da Crimeia, integrada à Rússia em 2014. “Trabalhamos para resolver tarefas muito complexas e de grande escala para garantir um futuro confiável para a Rússia, o futuro de nosso povo”, acrescentou o chefe do Kremlin. O anúncio de Putin ocorre no dia em que a Ucrânia celebrou o avanço militar em áreas ocupadas, principalmente em Kherson, e em que o sistema de defesa antiaéreo conseguiu frustrar novos bombardeios contra Kiev.
De acordo com Putin, “Kiev se nega a reconhecer a vontade da população, rejeita qualquer proposta de negociação, os disparos continuam e há civis morrendo”. Ele denunciou o governo de Volodymyr Zelensky pelo uso de “métodos terroristas” e garantiu que a Rússia impediu novos ataques contra a infraestrutura, inclusive instalações de energia nuclear. “Estão enviando grupos de sabotadores ao nosso território”, disse.
Em comunicado, o Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia acusou a Rússia de iniciar uma “nova fase de terror” nos territórios “ocupados temporariamente”. “O anúncio da chamada lei marcial (…) visa suprimir a resistência dos moradores das regiões de Luhansk, Donetsk, Zaporizhzhia e Kherson, que se opõem à ocupação russa. (…) O decreto de Putin é nulo e sem efeito. Ele não tem consequências legais para a Ucrânia e seus cidadãos”, reforça o texto. Também ontem, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, reconheceu que Putin está em uma posição “incrivelmente difícil” na Ucrânia.
Diretor da organização não governamental Eurasia Democracy Initiative (em Kiev), Peter Zalmayev explicou ao Correio que Putin se preocupa com a possibilidade de perder, muito em breve, o controle de Kherson. Ele lembra que outras áreas ocupadas pelas tropas do Kremlin seguem sob cerco cada vez mais intenso das forças ucranianas. “Putin tenta coibir algum tipo de ataque terrorista ou atividades de guerrilha atrás da linha de frente, além de ações de sabotagem. É uma medida desesperada, desenhada para enviar uma mensagem aos líderes das quatro regiões designados por Moscou e à população de que o presidente russo segue no comando”, comentou.
Para Zalmayev, a decretação da lei marcial não deverá surtir qualquer utilidade prática, no sentido de auxiliar nos esforços militares da Rússia. “A Ucrânia mantém uma iniciativa estratégica na guerra. A liberação de Kherson deve ocorrer logo. Tanto que os comandantes militares russos começaram a esvaziar cerca de 50 mil civis da região. Os soldados de Putin provavelmente usarão essas pessoas como escudos humanos”, disse. Zalmayev adverte que a remoção da população de Kherson configura crime de guerra. “Centenas de milhares de cidadãos do leste da Ucrânia foram enviados a partes remotas da Rússia, inclusive crianças.”
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