segunda-feira , 13 maio 2024
Opinião

UMA TRAMA DE MEIO BILHÃO DE REAIS

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Por Geraldo Muniz

Quando em meados da década passada o jovem pernambucano Antônio Rueda, obscuro advogado no Recife, desembarcou em Brasília, sua missão era não mais que carregar a pasta de seu chefe, o influente deputado federal Luciano Bivar, então presidente do PSL.

Filho de uma médica e de um espanhol que abandonara uma família em seu país de origem, Rueda era oriundo da classe média e tornou-se a sombra do patrão. Era, então, apenas um diligente assessor do chefe. Luciano Bivar, empresário exitoso, líder partidário e figura conhecida pela simpatia pessoal e facilidade no trato com os demais caciques da cena política nacional, adotou Rueda como um filho postiço.

O ambicioso advogado recifense mimetizou os hábitos refinados do patrão, homem rico de nascença, imitando-o nas vestimentas, modos educados e buscando aproximar-se dos poderosos. Com uma diferença fundamental: Rueda é reconhecido pela grosseria com que trata as pessoas mais humildes, serviçais e funcionários sob sua batuta, ao contrário de Bivar.

Rueda vinha de um pequeno escritório de advocacia, mantido na capital pernambucana com sua irmã, Maria Emília Rueda, figura inseparável em sua vida e tão ambiciosa quanto Antônio segundo garantem conhecidos da família. Tinham poucos clientes e enfrentavam os problemas e crises típicas da classe média que se vira para sobreviver. A mãe, Ladjane, era a figura menos obscura da família, expert em implantes capilares e com fortíssima influência sobre marido e filhos. “A doutora é a chefona, um poço de ambição”, garante um conhecido do clã Rueda.

Com Bivar o jovem Rueda ascendeu social e economicamente, trocando seu pequeno apartamento numa área simples do Recife por cinematográfica mansão no bairro mais nobre de Brasília, o Lago. Desenvolto, esforçando-se para agradar as pessoas mais poderosas e influentes, Rueda já estava aparelhado por um vestuário mais sofisticado e guarnecido por um caro hábito que o deslumbrou, o de uma coleção de relógios caríssimos, como os Rolex, Cartier, Piaget, Breitling, Patek Phillipe, TAG e muitos outros de marcas consagradas nos pulsos dos ricos e milionários. Os carros importados, com motoristas obsequiosos que lhe abrem as portas traseiras, unem-se a outro manjadíssimo fetiche dos novos ricos: charutos cubanos e vinhos caríssimos. Fez de Miami a sua Xanadú, desfrutando de longas temporadas na Flórida, tornando-se figurinha carimbada nos restaurantes da moda e no meio dos ricaços brasileiros que emprestam um certo ar de breguice ao lugar.

Em Brasília e por onde quer que Rueda aparecesse, porém, ele era “o secretário do Bivar”. Os Rolex, as roupas de grife (embora um pouco exageradas e com combinações exóticas e de gosto duvidoso), os carrões importados e vinhos caríssimos de nada adiantaram e ele, o ambicioso e obscuro jovem advogado nordestino, que ainda era tratado no centro do poder como o estafeta do cacique da União Brasil.

Bivar, o inventor, pai político e generoso provedor de Rueda, tem perfil
bastante diferente. Empresário bem sucedido da área de seguros a mais de 40 anos, amante das artes, escritor, ex-dono de empresa aérea, comandante de sólido grupo empresarial, gosta da política e a cultiva – segundo suas palavras – “como missão”. “Não ganhei um centavo na política, ao contrário, deixei de lado minhas empresas que poderiam estar muito melhor do que estão por acreditar que posso servir à Pernambuco e ao Brasil”, diz o ex-presidente do PSL e do União Brasil.

Deu-se a velha história: a criatura voltou-se contra o criador. Rueda quis o lugar de seu chefe e teceu alianças com as lideranças mais fisiológicas do partido para dar o golpe final e retirar de Luciano o comando da legenda partidária.

Uma velha raposa da política sergipana, com vários mandatos parlamentares, ao tomar conhecimento da traição de Antônio Rueda ao seu benfeitor não titubeou: “não compreendo como as lideranças nacionais do União permitem essa bandalheira. Só há uma explicação, a de que Rueda está sendo muitíssimo generoso na distribuição dos mais de R$ 500 milhões da verba partidária, ao contrário do Bivar, que é empresário veterano e sabe que dinheiro público não pode ser gerido assim”. Em 2022, na eleição presidencial, o fundo partidário do União Brasil chegou a impressionantes R$ 782 milhões e 500 mil reais!

Aí está a questão do embate empreendido por Antônio Rueda, o protegido que cuspiu no prato em que foi alimentado por seu inventor. ACM Neto, ex-prefeito de Salvador e derrotado fragorosamente na disputa pelo governo da Bahia, aliou-se ao governador goiano Ronaldo Caiado, e formaram uma aliança em torno da condução de Rueda à presidência do União Brasil.

O neto do falecido Antônio Carlos Magalhães não se recuperou da vexatória derrota frente ao PT em disputa onde era o franco favorito para ocupar o Palácio de Ondina. E Caiado está mergulhado em denúncias acerca de pavoroso crime de morte, onde um seu primo e íntimo amigo, Jorge Caiado, foi indiciado como um dos mandantes do assassinato de Fábio Escobar, coordenador da campanha do governador na rica região de Anápolis. Farta documentação, sete mortos por queima de arquivo, uma mensagem de Escobar por WhatsApp a Caiado alertando-o de que estava marcado para morrer e suplicando-lhe que detivesse o primo em seu já comentado e tenebroso intento, atormentam Ronaldo Caiado. Caiado nada fez. Silente e paralisado, não teria impedido a consumação do fuzilamento de um pai de família e seu leal partidário. Como se não bastasse, o nome da primeira-dama, Gracinha Caiado, e da filha do governador, a advogada Ana Vitória, aparecem nos escaninhos da trama. Mas ele, um radical conservador, insiste em ser o candidato presidencial da extrema-direita, no espaço criado pela inelegibilidade de Jair Bolsonaro.

Trocando em miúdos: ACM Neto e Caiado patrocinaram a tormentosa ascensão de Rueda por um único e óbvio motivo: precisam de, digamos, “apoio logístico” do partido e com Luciano a questão seria tratada de forma dura, transparente e sem favorecimentos que causassem escassez de recursos aos demais diretórios regionais e municipais em todo o Brasil. Rueda, ao contrário, estaria aberto à toda sorte de, digamos, acertos.

No dia em que Rueda foi entronizado no comando da União Brasil, 8 jatinhos voaram de Brasília em direção à várias capitais, num excesso de precaução para que nenhum aliado faltasse na consumação da traição à Luciano Bivar. Um esforço coordenado e caríssimo, sem aparente financiador…

As escaramuças contra o assalto de Rueda e seus aliados ao comando do União Brasil continuaram. O governador goiano, fiel a seu estilo radical, chegou a carimbar Luciano Bivar como gângster. É que um estranho acontecimento serviu para atiçar os ânimos belicosos, alimentar versões e ganhar generosos espaços nos veículos de comunicação: no litoral pernambucano as casas de praia de Rueda e de sua irmã, Maria Emília, foram “incendiadas”. Fogo colocado em prosaicos colchões serviu para fotos e vídeos. Imediatamente a ação dos bombeiros debelou as chamas e evitou maiores prejuízos. Por fim, os danos foram mínimos e surgiu grande desconfiança pelos estranhos incêndios localizados nos colchões.

Não é necessário um grande exercício cognitivo para se chegar à conclusão de que pareceria uma vingança maligna do ex-chefe traído por Rueda. Óbvio e primário demais!

A irmã de Antônio Rueda, por sinal, é a poderosa tesoureira que gere as verbas milionárias do fundo partidário do União Brasil. Nem ela nem o irmão jamais se candidataram a qualquer cargo, nunca tendo disputado eleição alguma. Um terceiro irmão Rueda, Fábio, assumiu o comando do partido no Acre, foi candidato à deputado federal e, apesar de fornida campanha, amargou uma derrota. O senador Alan Ricky exigiu o comando da sigla no estado, onde estava aboletado o espaçoso Fábio Rueda. Luciano Bivar deu razão ao senador e a troca foi realizada. A ascendente oligarquia dos Rueda guardou imensa mágoa e teria jurado vingança.

Rueda foi, de forma obstinada, tecendo amizades e acordos. Tornou-se íntimo do poderoso presidente da Câmara dos Deputados, o alagoano Artur Lira. Outro amigo inseparável é o senador piauiense Ciro Nogueira, presidente do Partido Progressista (PP) e ex-ministro do governo Bolsonaro. Celso Sabino, deputado paraense e ministro do turismo do governo Lula, é outro amigo dileto.

Quando Flor Rueda comemorou seu aniversário, em março de 2023, o marido ofereceu um festão que movimentou o soçaite brasiliense, deputados, senadores, governadores como o goiano Caiado e o bolsonarista Mauro Mendes, de Mato Grosso. Os lobistas que pululam pelos corredores do poder em Brasília também estavam lá, como certidões vivas do poder ascendente de Antônio Rueda.

Florinda (nome que ela odeia) foi homenageada com show do cantor brega Nattanzinho. Ele soltou a voz em sucessos popularescos como “Tem Cabaré Essa Noite”, “Love Gostosinho” e “Diferente das Diferentes”. Mais de 500 pessoas foram recebidas na mansão de um empresário amigo. Vinhos finos, o caríssimo uísque Royal Salute e um buffet de lamber os beiços. O champanhe espocou à farta e fogos de artifício iluminaram a noitada inesquecível, seguramente caríssima.

Florinda Rueda é peça importante no rompimento do marido com o deputado Bivar. “Em confiança dei a senha de meu cofre nos Estados Unidos para ela, a quem julgava uma filha, para que retirasse certa quantia para compras pessoais. Ela, simplesmente, raspou o cofre, onde estava uma quantia considerável”, revelou Luciano Bivar. Discreto, ele se recusa a especificar o montante. Amigos dele dizem ser coisa de meio milhão de dólares.

Enquanto isso, Rueda é visto desfilando em reluzentes bólidos em Miami. Bentley, Rolls-Royce e uma Ferrari. Deslumbrante penthouse na exclusiva Brickell Avenue e linda casa em Coral Gables seriam seus pousos na capital da Flórida, a preferida dos novos ricos. Tudo seria propriedade de amigos generosos que tem imenso prazer em emprestar os automóveis e hospedar a família Rueda em suas propriedades de sonho.

Rueda quer expulsar seu criador do partido. Bivar alerta a quem quiser ouvi-lo que sua criatura é um amoral sem limites. O deputado pernambucano afirma que a eleição de Rueda para a presidência da sigla foi “viciada” e “está nula de pleno direito”. “Como a convenção foi viciada, ela não surte nenhum efeito, nem bancário, nem administrativo, nem coisa nenhuma. Esse é o fato”, enfatiza Bivar.

Cacique mato-grossense do União Brasil, com vasta bagagem política e a sabedoria de quem circula faz meio século pelos palácios, faz comparação interessante e crava uma aposta: “o Rueda é um novo PC Farias. Muito menos esperto, mas com a mesma ousadia. Trata-se de uma bomba-relógio ambulante. Não é uma questão de “se”, mas de “quando.”

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